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quinta-feira, 2 de abril de 2020

Vendedora de quadro




    
“Simpatia com alegria, sorria, paciência, faça parte desta arte Eu Sou feliz.” ψ F.G.S.C.

outono 2018


Início

Ela seguia em passo lento tendo noventa e seis anos, como testemunha, naquela época quando à tranquilidade despontava para sonhadores desbravar, disposto enfrentar o desconhecido atrás de novidade, manter-se lúcido bastava abandonar sua familiaridade garantir sobrevivência distante tempo difícil aquele. 

Nasceu em Varsóvia, Polônia, seus familiares vieram escondidos em porão de navio, fugindo do conflito social que antecede à guerra armada, sair do velho continente cruzar longa distância no pé, pedir carona quando possível motivado pelo rígido controle militar, qualquer ajuda ofertada bastava um copo d’água, repouso na sombra, fruta colhida em pomar arrasado neste lugarejo destruído, não há vencedores ou vencidos todos perdem neste confronto valorizado pelo ego impor medo. 

“Quem não tem nada agradece o pouco que tenha repartindo, aquele quando dispõe de muito reclama possuir migalhas, nem compartilha”, ψ F.G.S.C.

Conseguiram atravessar o oceano, terminou uma aventura para iniciar outra em terra tupiniquim aportaram no Brasil, ela com seis anos de idade seu nome Bharbara Thalia Buczkowski, conhecida como nona Barbina desde pequena traquina, com expressão calma no semblante demonstra com palavra suave de sotaque polaco encanto pela vida, em Curitiba onde fez sua morada.

Filha única recebia carinho e mimos de seus pais, caçula entre os demais parentes, fugitivos da calamidade assolando toda Europa, reencontrar tio, primo moradores na proximidade, eles vieram antes deste conflito formando extensa família nos arredores, seguir valor tradicional da época, frequentava missa domingueira, ir à catequese, brincar de esconde, tirar mimosa e laranja do galho alto no pomar, cobria com lençóis sua prima e assustava amiga visitante vinda de longa distância noutro estado, encontrar aconchego em braço fraterno esquecer mágoa marcando pensamento triste do velho continente destruído.  

Quando pequenos nada nos oprime guardamos além da dor, sorrir na falta de pão, aquecer juntando corpos na ausência do cobertor, também lembranças boas marcaram sua infância, morava na casa de madeira com varanda ao seu redor, tinha enorme porão, terreno cercado de ripa corte artesanal feito no serrote detalhe esculpido uma águia com asas abertas, vasto gramado florido em volta da propriedade, plantas ornamentais de variedade introduzidas na forma simétrica em torno do belo casario, seguia pela extensão da rua onde morava com capricho o passeio era mantido.

Aprendeu ainda menina com sua Mãe Natasha Buczkowski Kochanska ser prendada no feitio domiciliar, velha máquina Singer de costura importada, no pedal coser e sergir ás roupas da família, embainhava pano de prato, avental, toalha, bordava cueiro, frequentou o colégio estadual do Paraná.



Em 1940 contraiu núpcias com Jeremia Petrowski, conhecido por ter inteligência apurada mecânico, marceneiro, alfaiate, escultor, pedreiro seu jovem pretendente na época causando reboliço entre as vizinhas, cerimônia realizada na igreja Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, tiveram neste enlace matrimonial quatro filhos todos formados pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC, Nicolau Médico, Demétrio Advogado, Eustáquio Professor, Giovani Engenheiro, formataram seu núcleo de familiaridade com doze netos vinte três bisnetos e nove tataranetos.

Dedicação exclusiva á vida doméstica, coisas da nona na tarefa diária com força incrível e determinação constante, magistral senhora produzia seu alimento plantava hortaliça, legume e verdura, disposta para cuidar das galinhas, abelhas, um porquinho, cinco patos, trazia o necessário quando comprava na mercearia do Tadeu Skrapulla, ali na Rua Tibagi nº 65.

Sua constância diária propicia o alívio imediato quando tocava a chaga destes por acreditarem em sua forte reza, rogava auxílio divino aos santos remediar espinhela caída, susto de criança, cobreiro, mas recusava cobrar pela arte solidária, não descuidar do conforto daqueles que amava em seu convívio, acolhia estranhos quando solicitava ajuda obrigação de quem é Cristão, seguir exemplo do filho divino balbuciava “fazei o bem sem olhar á quem” sua pregação constante.  


Ela empurrava seu carrinho tinha suporte dividindo uma valise carregada com material criativo de sua própria feitura, conhecia todos os estreitos desta cidade, seu local preferido á Praça da Espanha neste largo foi reconhecida tornou-se atração local, presença marcante destaque entre transeuntes, veste colorida, chapéu com flores, sorriso espontâneo quando expunha trabalho artesanal, pintura em quadro pequeno marca imagem de fértil imaginação, variedade formato e assunto do cotidiano, janela, gato, cães, urso, pássaros, cavalo, porta, flores, nuvens, céu, faces, corpo sinuoso, seu atelier em pleno espaço público com mão precisa e firme usava de tela no tamanho 22 x 16 cm como padrão, em caso específico poderia variar conforme pretensões do cliente.




Sua engenhosidade ativa surpreendia até pintor renomado e artista plástico de fama internacional já que aquela doce senhora jamais frequentou escola ou teve aulas para aprender neste ofício, lhe era próprio à criatividade, não aprenderá um dom na escola é pessoal intransferível quando alma encarnada nesta densidade terrena trás consigo experiência acumulada, por gerações “explicava”, recursos visuais conseguindo captar com sensibilidade espantosa detalhes que à mente humana num singelo piscar d’olhos não deixa escapar. 



Desenhava sorridente ao gosto do freguês que acompanhava sua composição e poderia servir de seu próprio modelo, então quinze ou vinte minuto está pronto aquele pequeno objeto lhe custaria apenas quarenta cruzeiro (Cr$ 40,00), mas o valor inestimável se tornaria parte de sua vida ao ser exposto como relíquia única valoriza expressão própria na história familiar.



Mais um ser humano ficou feliz neste dia seriam eles muitos chegando até o entardecer em média desenhava na hora aquela peça, além das outras encomendas que levaria para fazer em sua casa ali perto nas imediações deste recanto, dedicava-se pela pintura nesta fase de sua vivenda, mas era monitorada por aqueles aquém tanto dedicou afeto outrora seus filhos, deixavam-na bem á vontade em fazer o que gostava em sua liberdade vigiada, não podemos deixar nossa Mama ficar sozinha. 



Construiu com trabalho dedicado junto de seu marido um patrimônio considerável em casas de aluguel e outras propriedades, regalia financeira boa vida, sua riqueza sabedoria em administrar naquela época quando se amarrava cachorro com linguiça, assim era o ditado popular comprará também uma fazenda “jaçanã” na serra do mar ao leste do litoral não parava por nem um dia disposição teria além do belo nome para alguém otimista, sorriso cativante com palavras amorosas incentivando á vida. 



Último dia vivido foi em frente de seu fogão á lenha, pois sentia o frio deste inverno apesar de sua origem europeia gostava dos dias ensolarados quando podia cultivar seu belo jardim tratar dos gatos, do cachorro Marmaduke fiel companheiro lhe cuidava e protegia até na beira da cama na véspera de sua morte prestativo estava, ainda hoje o vejo uivando saudade da matriarca.

Comove meu sorriso em prantos por lágrimas saber desta ausência nos distancia não passarei mais por ali, foi ela quando me benzia toda quinta-feira com uma linha de costura média minha altura e largura, palavras que não compreendia em minha infância murmurava a melhora do seu pequeno paciente, após cerimônia ritualística oferecia um café bem gostoso com broa de fubá lembrança perdida no tempo não apaga, pois apenas o amor conspira em nosso favor querida nona, por todo sempre te amarei.





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